Como Steven Universe abriu caminho para Craig of the Creek defender pedofilia
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A animação Craig of the Creek, ou O Mundo de Greg, em português, está entre as mais assistidas dos últimos tempos. É sem dúvida uma história divertida e com temas adultos, bem como infantis. Isso era de se esperar, já que seus criadores são renomados escritores, também tendo trabalhado na série de sucesso Steven Universe. Contudo, esse brilhantismo esconde partes desprezíveis e imorais como nunca na história da animação. Estariam os desenhos animados corrompendo a juventude em prol da criatividade?
Matt Burnett e Ben Levin são os roteiristas mais impressionantes trabalhando para animação de TV atualmente. Passei anos analisando a forma como o trabalho deles em Steven Universe, série de 2015, revolucionou a forma de contar histórias animadas. A narrativa invertida que criaram começa com clichês de personagens sem muito propósito jogados num enredo desconexo. Isso é típico de desenhos infantis, que são episódicos. Entretanto, relacionamentos vão sendo descobertos com o tempo e uma trama maior emerge das partes isoladas. Seus personagens ganham profundidade "sem querer", deixando escapar informações que a princípio evitam falar.
Por isso, pode-se dizer que Steven Universe é uma crítica às fórmulas típicas de animação. É como se os autores preenchessem as lacunas do enredo simplificado de desenho animado para criar histórias complexas.
Esta dupla de roteiristas lançou em 2018 seu próprio desenho, Craig of the Creek. Eu estava empolgada para ver como eles iam adaptar seu estilo radical de linguagem às novas tendências em animação, muito retrógradas e puritanas. Atualmente, há uma tentativa de desfazer a revolução narrativa dos desenhos animados da época de Steven Universe (Hora de Aventura, O Incrível Mundo de Gumball, etc). Tendo esses dois autores criado a tendência contra a qual se vê a resposta atualmente, como eles reagiram a isso?
Também se deve levar em consideração que a semente da decadência contemporânea já começou dentro dos próprios desenhos inovadores de antes. Percebe-se, ao assistir Steven Universe, que as temporadas mais recentes são as mais fracas, menos experimentais e mais medrosas. Era de se esperar que Matt Burnett e Ben Levin já fossem parte do problema e até a sua gênese.
Acontece que os escritores foram se sentindo cada vez mais coagidos a não abordar certos assuntos nos desenhos. Eu diria que eles internalizaram o que a imprensa dizia sobre Steven Universe, depois levaram essa insegurança para Craig of the Creek.
Steven Universe foi o produto cultural mais corajoso em abordar temas como lesbianismo e papéis de gênero. Isso causou uma comoção no público na época. Obviamente, portanto, as notícias sobre a obra só falavam do assunto.
A série trouxe uma reestruturação total de possíveis temas a serem abordados em cartuns, mas não porque queria ditar novos padrões morais, mas por refletir os questionamentos que as novas gerações estavam trazendo. Eram questões que não passavam apenas por novas sexualidades e vozes em ascensão, mas também pela decadência da família, a inevitabilidade da perda da inocência infantil e, como consequência, a bagunça dos papeis sociais tradicionais. Contudo, é claro que a imprensa só falava sobre o progressismo do roteiro por falar de mulheres e lésbicas.
Os criadores não foram exaltados por seus comentários sociais. Ninguém reconhecia suas inovações estilísticas e suas reflexões filosóficas. Não havia espaço nenhum para isso em Hollywood. Apenas para propaganda.
Explico: era mais fácil para jornalistas enxergarem Steven Universe como um desenho de criança que se preocupava com os jovens esquecidos pela sociedade, como se fosse uma reparação histórica fazer um desenho colorido cheio de amor e esperança aos jovens homossexuais e em não conformidade de gênero. Afinal, estes pequeninos estigmatizados também mereciam seu típico desenho animado para chamar de seu, certo?
Exceto que isso não poderia estar mais longe do que Steven Universe foi. Como eu disse, Steven Universe nunca foi um desenho animado típico. Também nunca foi muito infantil: a história rebelde tinha a ambição de criticar a hipocrisia dos enredos clichês de animação ao mostrar que a suposta inocência narrativa escondia nas entrelinhas uma grande degeneração infantil.
Isso claramente é um enredo para adultos, com a aparência de desenho animado jovem. E a carcaça do conteúdo de criança não foi utilizada como um lobo em pele de cordeiro, para convencer criancinhas a assistir e corrompê-las. Foi usada porque animação para TV é o lugar mais esquecido e sem expectativas da indústria do cinema, então é o lugar perfeito para experimentação.
Em 2015, Hollywood já tinha começado sua era de infinitas continuações e remakes de filmes. Já não havia espaço para a criatividade. Todo profissional inventivo e irreverente acabou levando seu espírito inovador para os locais mais improváveis, como a animação para TV, onde poderiam finalmente falar sobre questões reais ao invés de repetir fórmulas à exaustão.
Os estúdios de cartum pediam que os artistas fizessem histórias com crianças, já que animação têm estigma de ser para criança. Os artistas acatavam, mas não queriam deixar de expressar suas ideias maiores, então o faziam mesmo com crianças no enredo.
O Cartoon Network acabou sendo o melhor lugar para fazerem aquilo. Este estúdio tem um histórico de fazer desenhos um pouco mais pesados e experimentais e valorizar a arte da animação acima de tudo. Por isso, apoiaram que seus artistas fizessem arte, antes de se preocupar com o público-alvo, desde que mantivessem personagens infantis, para potencialmente ter um apelo aos jovens.
Só que os artistas se empolgaram na criatividade e decidiram abandonar de vez o público mirim. Já que havia crianças na trama, eles resolveram falar sobre a própria infância deles e como ela foi falha, sendo uma crítica à geração.
No entanto, quando você faz isso e ninguém da mídia ou do público te dá ouvidos e só acha bonitinha e progressista a sua história de criança, você internaliza isso. Acaba abandonando o impulso de fazer arte pela falta de estímulos externos.
Se ninguém valoriza arte, não há arte. Na época, eles conseguiram subir a classificação indicativa do desenho de livre para 10 anos, sinalizando que agora o cartum não estavam querendo ser leve o bastante para todas as crianças. Outros desenhos dessa leva experimental fizeram o mesmo. Hora de Aventura chegou à classificação indicativa de 12 anos. Mesmo assim, todas essas obras deveriam ter ganhado classificações ainda maiores, só não ganharam pelo estigma de ser infantil.
Todavia, isso durou um segundo fugaz, depois o público geral continuou falando que o desenho era para criança.
Então, cada vez mais Steven Universe foi ficando bobo e com medo de não parecer progressista, para agradar as mídias e o público.
Mas como costumava a ser a história irreverente de Steven Universe das primeiras temporadas?
O protagonista mirim, o próprio Steven Universe, vive sem uma família nuclear e vive sofrendo traumas, é forçado a amadurecer rápido demais e não sabe como lidar com isso. Ele não teve infância, pois a infância está morta.
Suas tutoras eram mulheres mágicas que representam adultos estagnados e perdidos na vida. Elas que cuidam do menino, como mães adotivas. Elas não sabem cuidar de criança e fazem uma confusão na cabeça do menino.
A discussão sobre sexualidade passava pelo debate da imaturidade das protagonistas em entender e lidar com suas pulsões básicas, as deixando reprimidas e passivo agressivas. Não é um belo retrato pintado e não cabe em eufemismos como "elas só queriam expressar sua sexualidade e não eram permitidas". As personagens fizeram coisas muito ruins e indiscutíveis com crianças, não porque a sociedade as oprimia, mas simplesmente por serem pessoas horríveis.
Na época, eu era ingênua o bastante para pressupor que o mundo entenderia, ao ver isso, que a obra não era mais infantil. Achei que a capacidade de interpretação da população seria o bastante para entender que o meio da animação estava tentando se desvencilhar da obrigatoriedade infantil e buscando finalmente agradar um público mais velho. Afinal, adultos como eu eram muito mais o público-alvo de Steven Universe que crianças de 8 anos, incapazes de compreender a profundidade de seu enredo, apesar de provavelmente se sentirem compelidas pelo drama perturbador e envolvente.
Parecia que a série estava dialogando com um público que cresceu assistindo desenho e se sentia traído pelas narrativas rasas e moralistas deles, entendendo o impacto negativo que a falta de sentido dessas séries tivera em sua constelação simbólica.
Era, em sua essência, uma reflexão sobre desenho animado para adultos.
Mas o mundo não liga para animação. Até o próprio Cartoon Network se curvou e voltou a focar em conteúdo infantil em suas obras mais recentes. Perturbadoramente, tentando incorporar um pouco da degeneração de Steven Universe e dos outros como parte do universo infantil. Vide, por exemplo, a atrocidade que foi o reboot de As Meninas Super Poderosas que fizeram em 2016, com as crianças rebolando as nádegas para a tela.
Cenas chocantes similares já aconteciam em Steven Universe. Há partes em que mulheres adultas se agarram apaixonadamente na frente da criança, ao ponto que o pequeno sente a necessidade de virar o rosto envergonhado. Em outros episódios, as próprias crianças estão fazendo atividades protossexuais umas com as outras e no final estão tão confusas que começam a rir histericamente.
Mas era só um desenho de criança como outro qualquer, imagina.
É óbvio para mim que a consequência direta da revolução narrativa do Cartoon Network foi a normalização da degeneração infantil ao invés do entendimento de que aquilo não era mais para criança.
Em Steven Universe, ainda dá para argumentar que ao menos aquilo não passava de um relato sincero da infância confusa de muitas crianças. Em Craig of the Creek, o novo desenho dos mesmos roteiristas, não dá mais. A série não é realista, mas extremamente idealizada. Não é um relato sincero, mas uma exaltação, uma defesa da depravação infantil.
O protagonista, Craig, é o atual arquétipo popular do mártir negro pseudo-Jesus Cristo que, por sua origem “não colonial”, é moralmente impecável e defensor dos injustiçados. Existe essa tendência nas narrativas tidas como progressistas de comparar negros a Jesus Cristo e colocá-los como pessoas ideais, lavando os pés de seus discípulos e subindo aos céus.
Craig, por ser criança, é a imagem da inocência infantil, em contraste com o protagonista de Steven Universe, que era devasso. A nova animação de Matt Brunett e Ben Levin traz um modelo de como todos deveriam crescer, com as brincadeiras, o companheirismo, a ingenuidade e a imaginação ideais. Muito puritano e pseudo-cristão.
Craig é perfeitamente masculino e orgulhoso disso, vive com uma típica família nuclear, com todos os papeis de gênero padrão em suas relações, mas agora sem culpa performativa porque ele é negro.
Os personagens secundários, brancos, estes sim têm famílias fragmentadas, pobres e atípicas. É como se fosse tudo bem que as antigas estruturas sociais continuassem, se ao menos agora fossem negros fazendo.
Craig of The Creek é diametralmente oposto ao que Steven Universe foi, quando colocou a família atípica, a não conformidade de gênero e mulheres lésbicas em primeiro plano. Ou quando admitiu que a infância havia acabado e isso não poderia mais ser ignorado.
Ainda assim, Craig acredita ser o mesmo que Steven. O lado ruim de ser considerado o artista mais progressista de todos, como para Matt Burnett e Ben Levin, é que se fica cego quando é você quem está praticando o preconceito. Você é moralmente esclarecido demais para cometer discriminação, está acima de acusações sobre ela.
Neste momento, esses dois artistas, bem como outros do Cartoon Network e em estúdios de animação em geral, estipulou-se que desenho animado é espaço de justiça social. Isso se espalhou pelo meio e não é exagero dizer que estes artistas se sentem os detentores da nova ordem moral pela qual a mídia os condecorou.
É sabido que instituições que se sentem capazes demais de ditar valores morais abusam frequentemente desse poder, vide os casos de pedofilia da igreja católica. Por isso, nunca se esqueçam da hipocrisia dos valores liberais defendidos em Craig of the Creek. A série foi feita por uma corporação muito poderosa e é ela que está contando a história do jovem negro messiânico. É o Cartoon Network se sentindo bonzinho demais por defender aqueles antes injustiçados.
A nova face dos produtores dessa animação se mostra na própria narrativa de Craig of the Creek. É notável o gigante senso de autonomia que as crianças no desenho demostram, de uma forma que não é possível na vida real. Crianças precisam ser guiadas pelos pais para construírem seus mundos internos, sendo a alternativa a perdição e confusão dos pequenos. Não deveria ser controverso afirmar que precisamos proteger e resguardar crianças. Elas não podem se achar capazes de definir tudo o que querem para si.
Ao colocá-las nesse papel, Craig of the Creek inevitavelmente tem o efeito de dá-las um ar de adultas. Ao mesmo tempo em que vemos as crianças da série se orgulharem da infantilidade de suas brincadeiras, o que as permite explorar e errar como toda criança deveria fazer, elas têm o lexo prolixo de adultos ao conversarem, resolvem suas diferenças com uma maturidade surreal e têm um senso de identidade plenamente formado. É bizarro de se ver e não condiz com a exploração e incerteza infantis que a animação finge defender.
Os personagens mirins são o perfeito indivíduo atomizado liberal: nascem com a capacidade de criar uma marca para si, o que é visto em suas personalidades lindamente encenadas. Na trama, os jovens brincam juntos em um riacho, ou é o que parece. Na verdade, colocam suas identidades à venda uns para os outros.
Eles usam roupas extravagantes e sabem o que acentuar no visual para se fazerem facilmente inteligíveis a quem os vê. O riacho é, na verdade, o livre mercado: oferece uma variedade de experiências de consumo através de clãs e "lojas" que lá se formam por meio do trabalho dos jovens que mantém aquilo de pé. Quando Craig diz "no riacho, toda criança é livre para ser o que quiser", ele quer dizer que é livre para vender o que quiser, de identidades a objetos de valor, passando por lixo e brincadeiras. Há espaço para todo tipo de produto.
Os jovens têm uma vida completamente à parte da família e não precisam dela para serem incríveis, engenhosos, produtivos, justos, políticos, e... atraentes.
O mais perturbador dessa história é que as crianças também têm autonomia sexual. Elas sabem quando estão amando umas às outras e pretendem fortalecer seus laços em forma de casais, mesmo que ainda não se beijem.
Pode ser que seja só eu, mas demorei muito para entender do que eu gostava e por quem me atraía. Enquanto criança, eu não fazia ideia de quais eram meus desejos ou o que era ruim demais. Tudo o que me dissessem que eu deveria querer, eu iria acreditar. Aquilo que não fosse bom, eu não saberia dizer. "Isso não é bom" nunca foi uma frase que saiu dos meus lábios infantis com algum tipo de precisão. Nem "Eu gosto muito disso".
Na farsa da divulgação homossexual do desenho, a personagem da Kelsey diz com todas as letras para uma amiguinha que "gosta dela", depois de um casal de lésbicas adultas a ajudarem a entender seus sentimentos. Isso não aconteceria na vida real. Não só porque é uma situação ideal que lésbicas venham a ajudar crianças a se entenderem de um jeito tão brilhante igual nesse episódio, mas também porque, por mais que elas tenham sido brilhantes, uma criança nunca concluiria, a partir de ensinamentos, "gosto genuinamente de uma menina e quero me tornar um casal com ela". Crianças não sentem isso. Elas não possuem desejos sexuais plenamente formados. Não existe vontade infantil de criar um relacionamento funcional e duradouro, baseado em atração sexual, com outra pessoa. Enquanto adulta, eu amaria ter um casal de lésbicas adulto sendo legais comigo, enquanto criança, jamais. Não faz sentido. Isso só iria me confundir, pois eu não conseguiria atender àquele conselho.
Há um bom motivo pelo qual pais só falam aos seus filhos sobre como escolher parceiros sexuais e como entender a vontade de ter um relacionamento quando eles ficam adolescentes. Até acontece de pais acharem bonitinho menininhos e menininhas que são amigos, “namoradinhos”, mas eles não dizem “você gosta dela, respeite seu sentimento de amor por ela” pois sabem que isso não é verdade. Crianças não sentem tanto assim.
Nunca deveria ser permitido que se trate crianças como seres capazes de decidir ter relacionamentos amorosos. Este empurrão progressista atual para a autonomia infantil sempre nos levaria a apenas um lugar. Não há outra conclusão lógica para esse movimento que não este.
Consegue perceber qual? A dica está no título.
Pedofilia está presente em cada vez mais obras da grande mídia progressista. Lembre-se disso quando te dizem que seu tio, tão ultrapassado, está doido de achar que existe uma doutrinação de crianças a se sexualizarem. O perigo de se normalizar pedofilia não é tática política por indução de medo. É real.
Está aí para quem quer ver.
Embora eu não ache ou não queira achar que Matt Burnett e Ben Levin estejam conscientes que, com todas as letras, estão defendendo o consentimento de crianças a relacionamentos sexuais, isso é exatamente o que eles estão fazendo. Gosto de pensar que há uma confusão geral da sociedade progressista-puritana atual sobre o que é atração e como ela se manifesta, e isso se reflete em narrativas normalizando relações inaceitáveis entre as pessoas.
Eu vi muita gente pertencente a grupos manipulativos não perceber o quanto a ideologia que seus ambientes pregam é degenerativa - basta ver comunidades virtuais como Furries defendendo abuso sexual e Pro-Ana defendendo anorexia. Ninguém que entra nesses grupos tem noção que vão acabar fazendo algo prejudicial para si mesmos, acham que estão agindo em interesse próprio.
A indústria de entretenimento americana e, francamente, Los Angeles em geral, é um desses grupos manipulativos. Não apenas em Craig of the Creek se vê narrativas cada vez mais pedófilas no main-stream, eu só comento sobre ele por ser um caso icônico e por se relacionar com uma revolução narrativa que eu já estava analisando anteriormente no Cartoon Network, mas de forma alguma isso é uma tentativa de incriminar seus criadores em particular. Eu aposto como boa parte dessa indústria está entorpecida para a realidade que estão ajudando a criar. Contudo, isso é um grande problema que não será resolvido sem que possamos discutir a respeito.
Craig of the Creek defende pedofilia. Dar autonomia para crianças, nessa ideia de que "crianças também merecem ter voz", nos levará invariavelmente à defesa de pedofilia. Você devia estar preocupado com isso.
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